BOO BOX

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Urbanismo: Crescimento desordenado II


O anti-planejamento
“Se há culpados pela enormidade dos déficits urbanos paulistanos, eles são a falta de um melhor planejamento, os desmandos imobiliários, a ausência maior do Estado”, diz Mário Pascarelli, coordenador do curso de pós-graduação de gerente de cidades da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). “O crescimento desordenado é antes efeito do que causa, embora agrave todos os outros problemas no seu bojo”.
A ironia é que é relativamente fácil mapear o caos que engolfou a cidade a partir das iniciativas dos seus planejadores. Embora hoje “escondidas” debaixo do desenho urbano que prevaleceu na Paulicéia, os ferimentos, cancros, enfizemas e artrites que elas provocaram ficaram constrangedoramente à mostra.
Estão num plano de avenidas proposto ainda em 1929 por Prestes Maia, plano que saiu apenas embrionariamente do papel e, por isso, condenou o trânsito da cidade a arrastar-se dentro de um modelo basicamente radioconcêntrico, de cidade pequena, no qual só é possível ir de uma região a outra pela acanhada malha da região central. A única opção são as duas permanentemente congestionadas marginais.
Zoneamento e outras restrições
Num sistema de transporte baseado substancialmente no automóvel, mesmo com as deficiências estruturais da malha. A rede de metrô possui apenas 68,8 km de extensão, e é antes do tipo estrutural que capilarizada, ou seja, tem de ser complementada por ônibus. Já estes trafegam por somente uma dezena de corredores exclusivos, sendo obrigados no restante da cidade a disputar espaço com os carros.
Metrópole repleta de rios e córregos, São Paulo teve o seu sistema hidrológico tamponado ou como que aprisionado em valas retilíneas de concreto, a começar pelos maiores rios, Tietê, Tamanduateí e Pinheiros. As várzeas foram ocupadas por avenidas de fundo de vale ou mesmo por construções, o que explica porque tantas enchentes.
Apesar das mudanças e aperfeiçoamentos pontuais, São Paulo conviveu durante décadas, a partir de 1972, com um zoneamento (decorrente do Plano Diretor do ano anterior, elaborado sob a batuta de Figueiredo Ferraz, prefeito da cidade entre 1971 e 1973) que previa a construção dos maiores edifícios “atrás” de uma malha de vias expressas, que acabaram não sendo implantadas por falta de recursos. Ou seja: para todos os efeitos práticos, a lei de zoneamento funcionou com base numa malha viária inexistente.
Além disso, os restritivos coeficientes de aproveitamento dos terrenos estabelecidos pela lei praticamente estimularam a cidade a se adensar topicamente, sem nenhuma uniformidade ou articulação com os sistemas viários e as infraestruturas locais disponíveis, com consequências desastrosas para o tráfego e para a manutenção das áreas verdes.
Os valorizados e os ignorados
A tentativa da ex-prefeita Marta Suplicy (PT) de estabelecer os limites de metros quadrados que poderiam ser construídos em cada distrito -previstos no Plano Diretor de 2002, ora em vigor- não funcionou enquanto esforço corretivo. O cálculo foi feito por baixo: levou-se em conta o desempenho do mercado imobiliário na década de 1990, que foi um dos piores da história paulistana. Como resultado, houve verdadeira corrida das incorporadoras na direção de alguns bairros valorizados, como Pinheiros, Moema e Itaim Bibi, que hoje estão quase saturados.
E por conta da decorrente especulação imobiliária (que encontra terreno fértil para crescer nesse modelo), as populações menos providas de renda estão sendo faz décadas expulsas para as periferias ou confinadas em favelas e áreas de risco, provocando um déficit habitacional reflexo, calculado hoje em 130 mil moradias, numa estimativa conservadora.
Enfim, o “crescimento desordenado” citado pelo prefeito Kassab tem origens e motivações históricas perfeitamente detectáveis, e citá-lo como a causa isolada dos problemas que afligem a metrópole, como, aliás, fizeram tantos políticos e urbanistas antes dele -bastando citar Figueiredo Ferraz e Anhaia Melo (que assumiu a prefeitura entre 1930 e 1931)- é mais do que retirá-lo do contexto: é também um pouco tentar culpar a vítima, no caso os próprios paulistanos.

ALBERTO MAWAKDIYE
Colaboração para o UOL.

Nenhum comentário:

Postar um comentário